domingo, 29 de novembro de 2009
Imigrantes fundam jornais no Brasil com notícias do país de origem
Exposição do Memorial do Imigrante reúne jornais antigos
A construção do Natal nas alturas
A construção do Natal nas alturas
Cerca de 30 trabalhadores se empenham em montar a árvore de 75 metros de altura no Ibirapuera, em São Paulo
Filipe Vilicic
O pernambucano Ivanildo Araujo, de 65 anos, sente-se melhor pendurado a 70 metros de altura do que caminhando no chão. "Lá é fresquinho, tem uma baita vista e dá para descansar mais do que aqui embaixo", afirma, olhando, do gramado, para o topo da estrutura da árvore de Natal do Ibirapuera, que até o dia 6 de janeiro ocupará a Praça Escoteiro Aldo Chioratto, na frente do portão de número 10 do parque. "É bom sentar no andaime, relaxar, curtir o vento e olhar as árvores, as pessoas e o lago lá embaixo."Ivanildo aproveita a vista há cinco anos, desde que foi contratado pela primeira vez como encarregado geral da obra da árvore do Ibirapuera. Neste ano, ele, o mais velho dos operários envolvidos na empreitada, lidera 12 dos 30 trabalhadores da construção - uma estrutura de andaime de 75 metros de altura (um prédio de 25 andares), 35 metros de diâmetro e 240 toneladas. Sua turma é especializada em instalar lâmpadas e objetos pendurados a vários metros do solo.Mas Ivanildo nem sempre teve prazer em pular de um cano de ferro para o outro tão longe do chão. Ele confessa que quando começou na profissão como ajudante, há 45 anos, tinha pavor de subir em pontes, prédios, vigas. "A primeira vez que escalei uma altura considerável, uns 15 metros durante a construção do Mercado Municipal de Pirituba, no início da década de 1970, queria pular de lá de tanto medo", lembra. "O andaime balançava e eu ficava me equilibrando, sem a mínima segurança. Porque você sabe, né? Naquela época, não tinhas capacete, bota, corda." Os operários, como Ivanildo, davam uma de alpinistas em esqueletos de edifícios sem nenhuma proteção. "Era com a roupa do corpo, mesmo", recorda.Após quatro décadas de carreira, o medo virou paixão. "Hoje, gosto de andar lá no topo", conta o operário sexagenário. "Uma vez, subi a mais de 130 metros de altura, sem usar acessórios, em um viaduto da Rodovia dos Imigrantes." A rapidez e a facilidade com que ele passa de um andaime para o outro da árvore de Natal, erguendo-se com as mãos sem titubear, revela sua experiência. "Quando os garotos chegam e me olham sei que pensam: "esse aí não tem mais idade para trabalhar"", afirma. "Mas a verdade é que os rapazes não têm coragem de fazer o que faço." Ivanildo é conhecido por desafiar os mais jovens em corridas pelos estrados metálicos da árvore do Ibirapuera. Os boatos dizem que ele nunca perdeu um desses desafios.RISCOSApesar de tanta habilidade, Ivanildo sabe que não pode vacilar lá em cima. "Uma vez, durante uma montagem dentro de uma represa, vi um experiente colega cair de 52 metros de altura", conta. "Ele morreu na hora." Na época, sua mulher, com quem vive há 40 anos, não queria que ele voltasse para o serviço. "Fiquei afastado uma semana para me recuperar do trauma, mas retornei. Afinal, é nisso que sou bom." Sua mulher não só teve de se acostumar com o perigoso serviço do marido, mas também com seus quatro filhos homens se erguendo nas alturas. O quarteto seguiu os passos do pai: todos são empreiteiros especializados em levantar prédios, pontes, viadutos (três deles trabalham na árvore de Natal). "Acompanho meu pai nas obras desde meus 16 anos", conta Edivaldo, hoje com 36, enquanto anda em uma plataforma de madeira a mais de 40 metros de altura. "Ele falava que nos levava para aprender a trabalhar. É um chefe duro e exigente até hoje."Nem todos, porém, têm a mesma desenvoltura de Ivanildo para se pendurar nas alturas. "Eu ainda não passei de 7 metros", confessa o paulistano Renato Morais, ex-frentista que estreia nesse tipo de trabalho na montagem deste ano da árvore. "Minha mãe morreu do coração quando soube que vinha para cá. Esses caras que ficam lá em cima são loucos." O alagoano José Lima é outro que não gosta do emprego. "Aqui é alto, perigoso e às vezes dá até tontura", conta, enquanto olha da janela do elevador que leva os funcionários para o topo da árvore. "Mas é o único jeito que achei para sustentar a família."Há, porém, raros trabalhadores que curtem a sensação de perigo. O baiano Anderson Bispo, que trabalha pelo segundo ano consecutivo no Ibirapuera, adora se equilibrar entre os galhos artificiais da árvore. "Sou viciado em adrenalina", afirma, com cara de orgulho. "Na Bahia, nadava em mar aberto durante horas." Apesar de gostar de dar uma de alpinista, Bispo sonha em abandonar o trabalho. "Quero juntar dinheiro para comprar uma casinha em Salvador. Aí, alugarei a que tenho em São Paulo e voltarei para minha terra. Tenho muita saudade de meus amigos, de minha família e do clima de lá."A saudade é comum entre os operários. "O dia a dia em Maceió era menos estressante", lembra o alagoano Lima. "Sinto falta do meu pessoal e até da comida", diz o baiano Heleomilto Silva. "Um dia, vou me aposentar e voltar para a Bahia." As reclamações são frequentes entre os trabalhadores, cujas histórias normalmente seguem a mesma linha: vieram para a capital paulista para ganhar dinheiro, mas sentem saudade de suas cidades e um dia pretendem voltar.LANÇAMENTOA árvore de Natal será lançada no domingo que vem, dia 6 de dezembro, após 57 dias de montagem, e começará a ser retirada do Ibirapuera um mês depois. Mais de 1 milhão de lâmpadas e 20 mil metros de mangueiras de luzes vermelhas e brancas a iluminam. Quase 150 figuras de metal, como bolas, estrelas e pinheiros, a decoram. Um Papai Noel de 3,5 metros de altura com roupa de alpinista será colocado em uma das laterais. É a oitava vez que a árvore, cuja construção é bancada pelo Banco Santander, é montada na Praça Chioratto. "É o trabalho que mais me deixou orgulhoso em minha vida", diz, emocionado, o encarregado geral Ivanildo. "É um serviço bonito e quando ela está pronta gosto de mostrá-la para meus 13 netos e falo "ajudei a levantar essa árvore imensa"."
O Estado de S. Paulo de 29 de novembro de 2009
O fim do ''velho'' Largo da Batata
Com obras da Prefeitura e a valorização imobiliária, comerciantes que fizeram a história do bairro saem de cena
Rodrigo Brancatelli
São 15 horas e alguns poucos minutos de uma terça-feira nublada e a vida no Largo da Batata, que sempre andou um bocado apressada, parece marchar em câmera lenta. Ali no coração de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, o farmacêutico Leonardo Shima permanece impávido, atrás do balcão que existe desde 1955, esperando a clientela aparecer. Ele mantém o sorriso generoso no rosto, mesmo ao lembrar que uma megadrogaria abriu há poucas semanas na vizinhança - e parece que ela está cheia de gente comprando xampus, creme dental, barras de cereais, chicletes, suplementos alimentares e, pasmem, até remédios. Seu Chico, um experiente marceneiro que já trabalhou até na França, também está sem muito serviço e mata o tempo vendo um filme do Stallone na televisão. Já Jesus Andrade, conhecido como Jesus Alfaiate, aproveita para consertar a inseparável máquina de costurar enquanto nenhuma "madame apressada" ou "empresário precisando fazer a barra da calça" aparece de repente pela porta. Ninguém surge pelos próximos 15 minutos, mas ele continua lá, esperançoso. Esse mesmo otimismo, no entanto, anda meio sumido da sorveteria Fiesta, há quase 30 anos vendendo o melhor sorvete de amora, milho-verde e de amendoim do Largo da Batata - apenas R$ 0,90 o picolé. As mesas de fórmica estão vazias, silenciosas, tristes. Parece até que a região está ficando um pouco menos doce.As obras de revitalização e adequação do Largo da Batata, que devem transformar a área numa esplanada até o fim de 2010, ao custo de R$ 100 milhões, não estão mudando apenas as ruas do local. Estão também alterando a vida de personagens que fizeram a história do bairro, que ergueram do zero os negócios familiares há décadas, mas agora planejam ou até mesmo começam a deixar seus endereços por causa da valorização imobiliária. São sapateiros, marceneiros, vendedores de miudezas e alfaiates; comércios populares que não terão vez nesse "novo" e "rico" Largo da Batata. "CAIU MUITO, NÉ?""O movimento caiu muito, né", diz Massao Miyashita, comerciante mais antigo do Largo da Batata, que começou vendendo artigos de armarinho, em 1949. Sua loja deve ganhar em breve uma placa de vende-se ou aluga-se. "Eu tentei continuar aqui porque gosto muito da área. Mas eu estou ficando velho, acho que está chegando a hora da aposentadoria."Muitos moradores mais antigos e comerciantes já deixaram a região, e os que resistem parecem viver num misto de expectativa e receio. "Não é nada agradável ficar assim, sem saber como vai ser o futuro", diz Cleusa Polimeno, que cuida de uma tabacaria fundada pelo avô, em 1943. O largo que há tempos não tem mais batatas agora também está perdendo parte da personalidade: ao mesmo tempo em que a degradação desapareceu, estão sumindo a olhos vistos hábitos e práticas antigas. São profissões e ofícios que resistiram ao tempo, mas não à falta de clientes. "Simplesmente não sei fazer outra coisa a não ser consertar sapatos", resume Pedro Halgsik, de 75 anos, que trabalha há quase três décadas na região.