segunda-feira, 1 de junho de 2009

Campo Limpo


Em lugares como a região do Campo Limpo, onde 1/3 dos habitantes vivem em favelas, união da comunidade é essencial na luta por melhores condições de vida.
O presidente da Associação Pró-Melhoramento da Vila Prel, Roque Orlando de Deus, 71 anos, chegou há 50 anos no bairro da Vila Prel, no distrito de Campo Limpo. Naquele tempo, a área era cheia de mato, não havia iluminação, escola, saneamento, asfalto, e apenas um ônibus fazia o transporte para Santo Amaro, centro residencial mais próximo. Treze anos depois, a entidade entrava em funcionamento para reivindicar melhorias aos seus moradores. Atualmente a associação coordena uma série de ações sociais, que atendem até 500 pessoas por mês, e o bairro, a exemplo do Campo Limpo, cresceu e estruturou-se.
Roque é um dos muitos exemplos de espírito de participação comunitária que se espalham pelas regiões do Campo Limpo e Capão Redondo e que, apesar de todas as adversidades sociais, asseguram avanços para sua população. “Levou vinte e cinco anos para conquistarmos a rede de esgoto, mas valeu a pena. Para se conseguir as coisas, tem que brigar. O bairro que não tem uma entidade não consegue nada”, afirma o presidente da associação.
Não é para menos. A região da Subprefeitura Campo Limpo, que reúne distritos de Campo Limpo, Capão Redondo e Vila Andrade, contabiliza 550 mil moradores, um terço deles vivendo em pelo menos 237 favelas, segundo dados da Secretaria Municipal de Habitação e da subprefeitura. Desses 183 mil moradores de favelas, 80 mil concentram-se no Complexo Paraisópolis, composto pelas favelas Jardim Colombo, Porto Seguro e Paraisópolis, onde 800 crianças estão sem aula e proliferam adolescentes grávidas.
Há 15 áreas de risco de desabamento nos distritos, abrangendo 6.434 domicílios, e um déficit habitacional de 50 mil residências. Em períodos de fortes chuvas, a região é assolada pelas cheias de córregos como o Pirajussara e o Freitas, muito em função do despejo de entulho que a própria população faz em locais irregulares. A taxa de analfabetismo é de 7,13%, bem acima dos 4,88% do município de São Paulo, e a principal causa de morte em 2003 foram os homicídios, com 278 registros.
José Grigório de Jesus, 69 anos, líder comunitário no Capão Redondo, é uma das vítimas da violência. Perdeu um filho assassinado aos 21 anos e também um sobrinho. “Meu filho arrumou discussão com um vagabundo, levaram ele para o Jardim Branca Flor e deram dois tiros na testa dele. Meu sobrinho também morreu com nove tiros. Mas não sou revoltado, é o destino”, resigna-se José Grigório, um ex-sindicalista perseguido no período dos governos militares.
Minha luta vem desde os anos 60. Já apanhei da Polícia enquanto cantava ‘Jesus Cristo´, do Roberto Carlos”, comenta ele, lembrando os anos de chumbo. Mas parece não haver cano de fuzil ou tiro de metralhadora que segure José Grigório na luta por dias melhores. Presidente do Conseg (Conselho de Segurança) do bairro e da Sociedade Assistencial e Promocional do Capão Redondo e Adjacências, fundada em 1966, o líder comunitário e seus colegas de estrada vêm ao longo de todo este tempo lutando e obtendo progressos para o bairro.
"Já conseguimos construção de escolas, postos de saúde, pavimentação, creches, aprovação do nome de patronos para escolas e praças”, afirma ele, que reivindica mais: ginásio de esportes e emprego para os jovens – “para tirar a garotada das ruas” -, novas creches, escolas –“que não sejam os CEUs, que é muito elitista” – biblioteca, retirada de entulhos e a canalização do córrego Ribeirão dos Brancos.
A associação vem procurando fazer a sua parte por meio de atividades sociais, como os cursos de alfabetização para jovens e adultos, que atendem a 420 alunos, aulas de capoeira e shows de música aos domingos. Grigório acha que por causa dessas ações, e pelo trabalho da polícia, “que é de tirar o chapéu”, os índices de violência caíram.
“O povo diz que a gente é doido, que não sabe como a gente tá vivo por fazer todas essas coisas”, diz ele, ressaltando, porém, que já não existem mais os tiroteios entre gangues das regiões do Caiçaras, Morro do Índio, Paranapanema e Jardim São Bento Velho.
A Igreja Católica na região, que tem à frente o bispo diocesano Dom Emilio Pignolli, passou a ter forte atuação na área assistencial por meio da ONG Cáritas, fundada pela Igreja. A entidade, que não tem fins lucrativos, oferece atendimento em berçários, creches, liberdade assistida (para jovens em situação de risco), cursos profissionalizantes, alfabetização de jovens e adultos, serviços comunitários, terceira idade, atendimento às famílias, entre outros.
Por meio da Pastoral da Criança, a Igreja, segundo Dom Emílio, colaborou para reduzir a mortalidade infantil na região, com atividades que incluem a pesagem de 3 mil crianças semanalmente. Um dos novos projetos a serem colocados em prática é a adaptação de um espaço físico para a produção da multimistura, tipo de reforço alimentar que auxilia no combate à desnutrição.
Essa atuação, paralela à redução da violência e aos avanços nos serviços e infra-estrutura, é uma situação bem diferente de quando Dom Emílio chegou no Campo Limpo, há 16 anos, vindo de Mogi da Cruzes. No final dos anos 80, conforme lembra o bispo, a região estava abandonada pelo Poder Público, a violência grassava, e os serviços básicos, como de saúde, eram precários. Dom Emílio recorda-se do período em que atuaram no Campo Limpo os grupos de extermínio.
“Os problemas são maiores do que nós. Mas diminuiu a criminalidade e a ação de grupos de extermínio. O que precisamos é de mais empregos e oportunidades para a juventude”, ressalta Dom Emílio, que tem conversado com subprefeitos e prefeitos de distritos e cidades circunvizinhos a respeito do assunto, buscando criar iniciativas.
Numa região de muitas áreas verdes, fazendo jus aos nomes de Campo Limpo e Capão Redondo (mata circular), os parques também são utilizados como locais para inserção social. A terapeuta ocupacional Dulce Helena Nascimento Pasini é gerente da unidade do Centro de Convivência que funciona no parque Santo Dias, como um equipamento da área de saúde mental. Lá são atendidos mais de 300 usuários, de diferentes idades, que participam de atividades como oficinas, educação física, práticas de medicina chinesa, aulas de violão e terapia em grupo.
O centro promove a reinserção não só de pessoas com distúrbios mentais, mas também de moradores carentes, usuários de drogas e a comunidade de maneira geral”, ressalta Dulce. No último dia 19 de maio, por exemplo, houve um grande evento festivo por conta do Dia da Luta Antimanicomial, que, como o próprio nome diz, condena os sanatórios e hospícios como tratamento para pacientes com transtornos mentais.
Na opinião do subprefeito local, os principais problemas do Campo Limpo e Capão Redondo são o déficit habitacional e as enchentes, ambos inter-relacionados. Pois se não há habitações adequadas, parcela dos moradores menos favorecidos passa a morar em submoradias à beira de córregos, onde despejam entulhos.
Para minorar os problemas e proporcionar qualidade de vida a moradores carentes, o subprefeito defende com veemência a urbanização de favelas, como Paraisópolis e Heliópolis, a partir de medidas básicas, como saneamento, estruturação de ruas, pintura de moradias e melhores acessos. Projetos nesse sentido já vem, aliás, sendo desenvolvidos em parceria com os outros órgãos da administração municipal.
Pela análise dos técnicos da subprefeitura, a urbanização de Paraisópolis, em especial, interessaria aos moradores do bairro, aos que estão situados em seu entorno, nos prédios de alto padrão do Panambi – vizinho ao Morumbi -, e às imobiliárias responsáveis por essas construções sofisticadas.
No quesito meio ambiente, a subprefeitura tem desenvolvido uma série de operações cata-bagulhos e planeja transformar áreas abandonadas - sob a linha do metrô que corta o bairro - em espaços de cultura e lazer. Além disso, a subprefeitura promove campanhas como a intitulada “Preservação do Meio Ambiente e Defesa da Vida”, lançada este mês, visando conscientizar os moradores a não jogar lixo nos córregos.

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