sábado, 13 de junho de 2009

Perus




Saiba um pouco mais sobre Perus
A busca de ouro foi tema recorrente durante os primeiros estágios da ocupação portuguesa do Brasil, fato explicável pela conquista espanhola dos Impérios Asteca e Inca, e de suas enormes reservas de prata, logo no começo do século XVI.
Assim, de acordo com Alfredo Ellis Junior, não é surpreendente que, mal chegado à costa brasileira em 1530, Martim Afonso de Souza tenha tratado de enviar um destacamento ao interior do território em busca de metais preciosos. Outras explorações se seguiram, propiciando notícias de descobertas em Apiaí (alto Vale do Ribeira), Paranaguá e outros pontos do sul da colônia entre 1561 e 1592. O ouro levado da Vila de Santos por corsários ingleses em 1588 e 1591 é uma segura confirmação do sucesso desses empreendimentos. Porém, de maior monta foi o ouro encontrado em 1590 no Pico do Jaraguá e no Córrego Santa Fé - cujas nascentes situam-se na encosta da montanha - pelos Affonso Sardinha (pai e filho com o mesmo nome) e por Antonio Bicudo Carneiro. (Ellis Junior, 1942, p. 111-2, op. cit.)
O impacto do mito que se criaria acerca do ouro de Jaraguá foi tamanho que, em 1839, (reproduzindo uma opinião ainda muito em voga nos dias de hoje) o reverendo metodista Daniel Parish Kidder anotava que as velhas minas de ouro do Jaraguá... foram as primeiras descobertas no Brasil. Produziram muito durante a primeira metade do século dezessete, e as grandes quantidades de ouro de lá canalizadas para a Europa granjearam para a região o cognome de segundo Peru; tiveram, além disso, o mérito de incentivar a exploração do interior da qual resultou a localização de diversas zonas auríferas em Minas Gerais (Kidder, 1980, p. 194, op. cit., grifos nossos).
"Segundo Peru", "Peru do Brasil" (Santos & Rodrigues,1998, p. 49), denominações cuja popularidade rivalizava com o topônimo oficial da região no Período Colonial: "Ajuá" (nome de um arbusto espinhento).
O ilustre historiador Affonso d'Escragnolle de Taunay constatou, em documento de época, que o empreendimento minerador dos dois Sardinha começou precisamente em 1597, em sociedade com o Sr. Clemente Alves. Taunay identifica uma autêntica "miragem americana", consubstanciada, por exemplo, pela espetacular vinda a São Paulo de uma comissão governamental de alto nível, acompanhada de técnicos, para estudar in loco as jazidas do Jaraguá. (Taunay, 1921, p. 197-9, 239 e seguintes).
Todavia, como bem questiona Ellis Junior, quanto ouro teria sido proveniente da mineração quinhentista? O dado que o professor encontrou, na História Econômica do Brasil de Roberto Simonsen, é de 930 arrobas, em relação ao qual ele, Ellis Junior, expressa opinião de que não deveria estar muito longe da exatidão, pois incluía também as outras fontes de metal precioso do sul da Capitania, em todo o Período Colonial.
Para evidenciar-se a insignificância desse montante, basta lembrar que, no século XVIII, a quantidade mínima de ouro que deveria ser arrecadada anualmente pelo sistema de coleta de impostos em Minas Gerais era de 100 arroubas (cerca de 1.500 quilos). Portanto, a mineração do Jaraguá não deveria ter sido uma abundante cornucópia de riquezas. Fosse, teria sido um fanal [o mesmo que farol, obs. minha E. S.] atrator de grandes massas demográficas que teriam feito de S. Paulo e do planalto paulista uma região super povoada de elementos reinóis, tal como foram as Minas de Ouro no setecentismo ... Entretanto, o fato da mineração paulistânica, no Jaraguá e proximidades, não teve grande repercussão na evolução histórica de S. Paulo. Sua população não teve surtos de progresso em virtude dessa mineração. Sua economia não ofereceu manifestações de euforia em matéria de conforto, as quais seriam visíveis se tivessem havido. Enfim, tudo nos denuncia que ... [a] mineração planaltina ... foi apenas um leve arranhão na vida econômica paulistana. (Ellis Junior, 1942, p. 112-3, op. cit.)
Deve-se observar que os dados de Ellis Junior são compatíveis com o relato de Kidder que disse ter encontrado a lavra abandonada aos pés da montanha, num terreno de aluvião, sem se propor a realizar uma investigação rigorosa que confirmasse tudo o que ouvia. Seu depoimento é um bom indício, conseqüentemente, da permanência da "miragem americana" (Taunay) no imaginário dos moradores da Vila de Piratininga.
Bairro mais setentrional de São Paulo (a despeito de dificilmente ser visto como integrante da Zona Norte da Capital), situado na região do Vale do Rio Juquery e da Serra Cantareira, Perus é um núcleo urbano isolado do restante da cidade por um cinturão verde cada vez mais tênue, características que fazem com que muitas pessoas tomem-no por um dos Municípios do Norte/Noroeste da Grande São Paulo, confusão explicável pelas fortes ligações históricas e culturais entre Perus e as cidades vizinhas.
A região do Vale do Rio Juquery e da Serra da Cantareira foi zona de passagem de tropas militares e importante entreposto de abastecimento durante o período colonial e sob a vigência do Império, fato que ficaria materializado em vias que fazem a ligação entre Perus e os bairros de Parada de Taipas e Jaraguá: Av. Raimundo Pereira de Magalhães, ou Estrada Velha de Campinas, e Estrada São Paulo-Jundiaí.
De longa data, há registros históricos sobre Perus. No século XVII, existiram em sua área a Fazenda dos Pires, propriedade de Salvador Pires Medeiros, capitão da gente de São Paulo, dedicada à produção vinícola; e a Fazenda Ajuá, pertencente ao paulista Domingos Dias da Silva, tida como uma das maiores fazendas de cereais nas cercanias da Capital no começo do século seguinte. Em l856, o Registro Paroquial de Nossa Senhora do Ó assinalava dezessete proprietários de terras no "Bairro do Ajuá", antigo nome de Perus. Em 1867, os grandes proprietários eram Antonio Francisco de Aguiar e Castro, Candido da Cunha Brito, o Coronel Luiz Alves de Almeida, Hedwiges Dias de Oliveira (antigo nome da R. Crispim do Amaral) e Jesuino Afonso de Camargo, nome de outra rua em Perus.
Nesse mesmo ano (1867), junto com o restante da São Paulo Railway (atual E. F. Santos-Jundiaí), foi inaugurada a Estação de Perus, dando início a um processo de urbanização do Vale cujos grandes marcos foram a Companhia Melhoramentos de São Paulo (1890), o Hospital Psiquiátrico do Juquery e sua Fazenda (1898), a Estrada de Ferro Perus-Pirapora (EFPP, 1910) e a Companhia Brasileira de Cimento Portland (1926). Também digna de menção é a Fábrica de Pólvora erguida a uns duzentos metros da Estação de Perus, da qual restam alicerces. Nos primeiros anos da República, junto com a Ipanema, esta Fábrica foi a principal fornecedora de munição para o sistema de defesa do Porto de Santos.
Como resultado dessas iniciativas, seriam criados os núcleos fundamentais de Perus e de suas cidades-irmãs: Caieiras, Franco da Rocha, Francisco Morato e Cajamar.De imediato (ou melhor: antes da inauguração da Fábrica de Cimento), o acesso ferroviário trouxe a vinda de novos proprietários para Perus, como Antonio Maia, Di Sandro, Achiles Fanton, Ernesto Bottoni, Narciso Cagnassi, Leonardo Correia, Julio de Oliveira, Vasco Gazzo, Demetrio Vidal Lopes, Pascoale Peciccacco, Peregrino Lage, Sylvio de Campos, Joaquim Serpal; nomes que, em sua maioria, estão estampados nas placas de ruas e avenidas do bairro. Homenagem mais do que justa pois os loteamentos foram formados a partir de glebas pertencentes a famílias desses senhores. Quanto aos porquês da presença desses nomes das placas, o fato é que a memória do papel dos personagens popularmente reconhecidos como os "pioneiros" da localidade está se perdendo nas penumbras do tempo. Salvo reminiscências repassadas oralmente, quase de forma mítica, pouco se sabe do passado agrícola recente de Perus, do modo de vida e das dificuldades enfrentadas num período não tão distante.
Período que se encerra em 1926 com a entrada em funcionamento da Cimento Perus. Primeira indústria do ramo no país, a Fábrica surgiu da associação de um grupo de empresários brasileiros, liderados pelo advogado Dr. Sylvio de Campos, com a Drisdale y Pease, empresa sediada em Toronto, Canadá, ligada à Lone Star Cement Company, uma das gigantes do ramo nos Estados Unidos. O projeto fora prenunciado em 1910-1914 pela construção da E. F. Perus-Pirapora que previamente resolveu o problema da matéria-prima. Superada esta etapa, ocorreram diversos atrasos em função da necessidade de trazer para o local uma linha de alta tensão da Light: os equipamentos da Fábrica seriam impulsionados por energia elétrica.A magnitude do empreendimento é atestada por clássicos como João Manuel Cardoso de Mello - que observa que a Fábrica foi planejada dentro de "uma estratégia de ocupação a longo prazo de uma faixa substancial do mercado brasileiro" - e Warren Dean que inclui Perus entre as "principais fábricas novas construídas na década de 20". Absolutamente acertado o juízo dos mestres pois, ao longo das quatro décadas seguintes, a The Brasilian Cement Company atendeu uma parcela do mercado que variou entre um terço e um quinto das demandas nacional e paulista. Em termos menos abstratos, no intervalo em que a cidade de São Paulo passou de 600.000 para mais de 3.000.000 de habitantes, em Perus foi produzido o cimento utilizado na construção da maioria de seus edifícios, nos túneis e viadutos da Avenida 9 de julho, na Biblioteca Mario de Andrade, nas obras da Light em Santos, no trecho inicial da Via Anhangüera, etc.
Trazendo o sangue e a energia indispensáveis a tamanha tarefa, chegou ao bairro uma segunda leva de pioneiros formada pelas famílias dos operários da Fábrica e da EFPP; afluxo populacional que, ainda na década de 20, levaria à criação de vilas dentro (Triângulo e Portland) e fora (Inácio, Operária e Hungareza) do perímetro da empresa. O fato ficaria marcado de forma emblemática no momento em que Perus, já com 3.504 habitantes, foi elevado a Distrito em 21 de setembro de 1934, data reconhecida pela Câmara Municipal de São Paulo como fundação do bairro.
Fundado em 1933, o Sindicato da categoria cimenteira - que incluía os operários da Fábrica, da EFPP e das pedreiras de calcário em Cajamar - é a mais antiga entidade social de Perus. Em 1940, a Paróquia Santa Rosa de Lima seria criada praticamente junto com a Igreja Presbiteriana da Esperança e com o Centro Amigos de Perus, associação de moradores sucedida nove anos depois pela Sociedade Amigos de Perus (SADIP) cujos esforços levariam à ligação de rede elétrica para todo o bairro em 1954, encerrando um período no qual o recurso estivera restrito às edificações da Companhia de Cimento.
1958 é um marco particularmente importante para a história local. Primeiro, porque foi quando se realizou o plebiscito pela transformação do bairro num novo município, processo conduzido por uma Comissão Pró-Emancipação criada pela SADIP sob a presidência do saudoso Demétrio Vidal Lopes (1918-1998), cuja incansável atuação em defesa da memória social torná-lo-ia unanimemente reconhecido como o Historiador de Perus. Conforme relatado por Vidal Lopes, o "sim" era representado por cédulas brancas; o "não" pelas de cor preta. No dia da votação, os ativistas do Sindicato cimenteiro saíram às ruas distribuindo cédulas escuras aos gritos de "vote no pelé!", "vote no pelé!" O comparecimento mínimo não foi atingido, com a apuração revelando derrota dos autonomistas.
1958 seria também o ano em que ocorreria a primeira grande greve operária na Cimento Perus. O sindicalismo peruense-cajamarense merece atenção tanto pela sua originalidade (é reconhecido internacionalmente como um importante núcleo do movimento da não-violência) como pelas conquistas que trouxe para o conjunto dos trabalhadores brasileiros: a primeira regulamentação do salário-família, a presença do Sindicato nos atos de contratação e demissão de mão-de-obra, o reconhecimento da legalidade das greves por atraso de pagamento; esta última obtida numa greve realizada em 1967, em plena Ditadura Militar. Ditadura cujo braço mais visível em Perus era o Cemitério Dom Bosco, criado durante a OBAN (Operação Bandeirantes) para esconder os corpos de cidadãos perseguidos e assassinados por causa de seu engajamento nas causas da justiça e da liberdade.
Outro fato a se ressaltar é que, em função de denúncias do Sindicato de Perus, o Complexo Cimenteiro (Fábrica, EFPP e minas de calcário) seria o primeiro caso no país de intervenção (1970) e confisco federal (1973) realizadas com o objetivo de ressarcir dívidas decorrentes de impostos atrasados para com a Fazenda Pública da União. Os trabalhadores do cimento conseguiram também que, pelos mesmos motivos, o Sítio Santa Fé fosse alvo de confisco federal em 1979. No mesmo ano, a área foi comprada pela Prefeitura de São Paulo. Uma parte seria transformada no Parque Anhangüera, o maior da cidade (9,6 quilômetros quadrados); o restante foi destinado ao aterro sanitário Bandeirantes, o "lixão" de Perus.
O núcleo urbano originário seria ampliado em meados dos anos 60 pelas Vilas Perus, Caiuba, Osana, Flamengo e Malvina e pelos Jardins São Paulo, Manacá e do Russo. A despeito de muitos dos novos moradores trabalharem na Lapa e em outros pontos da Capital (algo que praticamente não ocorria antes), Perus continuava gravitando em torno da Companhia tanto por depender da sua oferta de empregos como por suportar o pó que saía das chaminés. Por baixo da paisagem soterrada pelo cimento, estavam os terrenos relativamente baratos que atraíram a terceira leva de peruenses.
Na década de 70, o crescimento ficaria restrito à Vila Nova Perus. Do ponto de vista urbanístico, o principal destaque vai para a Rodovia dos Bandeirantes, inaugurada em 1973, cuja construção implicou na desapropriação de cerca de metade da Vila Inácio e de um terço do Jardim do Russo. Como muitas famílias ainda não detinham títulos de propriedade da terra ou seriam indenizadas 20-25 anos depois, foi nesta ocasião que surgiram as primeiras favelas de Perus, problema enfrentado desde os momentos iniciais pela Paróquia Santa Rosa e por suas Comunidades Eclesiais de Base.
A Paróquia fez-se presente no trabalho de organização dos setores mais carentes e no atendimento de demandas sociais criando, ainda nos anos 70, a primeira creche de Perus. Nesta mesma época, outra obra de grande impacto foi o poço artesiano aberto pelos padres no Jardim do Russo com o objetivo de enfrentar o problema da falta d'água, flagelo que, aliás, atingia o bairro como um todo. Os moradores continuariam na dependência de caminhões pipas da Prefeitura e de poços comuns por mais uma década, até a chegada de rede da SABESP.
A próxima arrancada da urbanização teria início em meados dos anos 80 com a Vila Flamengo (2ª Gleba), Vila Bottoni e Jardim Adelfiori; processo continuado de modo bastante acelerado nos anos 90 pelo Recanto dos Humildes e pelos conjuntos habitacionais, em fase de construção, bancados pela Governo do Estado.
O fim da emissão de pó-de-cimento (1980, produto final de uma luta iniciada em 1973), o fechamento da Perus-Pirapora (1983) e da Fábrica (1986) anunciam um período no qual Perus, finalmente convertido em bairro-dormitório, já dispõe de um dinâmico setor de serviços. O lixo torna-se um grande problema. Também preocupante é a carência de equipamentos e serviços e sociais que, mesmo antes da última arrancada de crescimento, já eram insuficientes para atender adequadamente os moradores.
Um patrimônio comunitário, contudo, permanece intacto: os baixíssimos índices de violência que fazem de Perus um dos lugares mais tranquilos da cidade, quadro surpreendente para alguém que, desconhecendo sua história, procurasse entender o bairro através de uma leitura superficial dos indicadores sociais.
Se, de fato, Perus possui um grande contingente de população de baixa renda, é também verdade que uma significativa parcela é formada por famílias que, estabelecidas há mais de trinta anos, puderam adquirir lotes para a construção de casas nos períodos em que a terra era barateada pelo pó-de-cimento e pela distância em relação ao Centro de São Paulo. A antigüidade da ocupação garantiu o tempo necessário à ampliação e melhoria das residências que, por serem próprias, representam um grande alívio para o orçamento familiar. Vale chamar atenção para as dimensões relativamente grandes dos terrenos nas vilas mais antigas, circunstância que possibilitou, em épocas nas quais as dificuldades para adquirir casas agravaram-se, o atendimento de parte da demanda de moradia gerada pelas segundas e terceiras gerações através do desmembramento dos lotes. Outro aspecto importante já foi referido: a intervenção social da Paróquia.
Encerrado o flagelo do pó-de-cimento, os primeiros dias de chuva revelaram uma paisagem dominada pelo verde e por um Subprefeitura fresco que não se sente na maior parte de São Paulo/SP. Outro aspecto importante é que, nos momentos em que os trens da CBTU/CPTM e o transporte por ônibus (e, mais recentemente, peruas e vãs) atingem níveis razoáveis de eficácia, Perus fica subitamente próximo, a não mais que meia hora da Lapa e das Estações Barra Funda e Luz, situação que contrasta com municípios mais afastados da Capital.
A discrepância entre os indicadores sociais e a situação efetiva de Perus põe em xeque as diversas caracterizações que o bairro vem recebendo nas últimas décadas, algumas sem qualquer base fática. Um dos frutos desses equívocos foi a propositura de uma lei, ao final de 1992, pelo vereador Zé Índio, indicando a criação de uma Zona Livre de Sexo.
Depois disso, ainda na esteira desses pré-conceitos, não demorou muito para que a Folha de São Paulo publicasse, em março de 1993, uma destacada matéria na qual Perus surgia com os maiores índices de analfabetismo da cidade, "informação" obtida através de perguntas a transeuntes feitas em dias e horários nos quais a maioria dos moradores estava ou trabalhando em outros lugares ou sentada em bancos escolares.
Outra injustiça a reparar refere-se a denominações religiosas como o espiritismo e as igrejas evangélicas, cuja contribuição para a evolução histórica, social e cultural de Perus nunca foi objeto de estudo apesar de, por exemplo, a Igreja Presbiteriana contar, dentre seus fiéis, com importantes lideranças do Sindicato dos "Queixadas", apelido conferido aos operários da Cimento Perus nos anos 50.
Mas a questão para a qual, de alguma maneira, confluem todos os problemas apontados é, sem dúvida, a crise de identidade gerada pela brusca aceleração do crescimento urbano verificada nos anos 80. Depois de mais de vinte anos de relativa estabilização, nos quais parecia que Perus não ultrapassaria limites já quase tidos como históricos, eis que a comunidade se vê diante de mudanças muito rápidas.
Como Perus é um bairro fronteiriço na periferia da cidade, ainda no final da década de 60 e início de 70, apresentava amplos espaços verdes, isolados da área urbana. Por outro lado a região é servida por duas grandes rodovias - Anhangüera e Bandeirantes além da Raimundo P. de Magalhães, de menor porte, mas que ainda é bastante utilizada como acesso a outros municípios próximos à Capital, tornam o Bairro estratégico. Possivelmente este fato deve ter levado a instalação do Aterro Sanitário Bandeirantes em nosso bairro. Contudo, o crescimento acentuado da cidade ampliou a produção de lixo e tivemos em pouco tempo um esgotamento da capacidade do aterro.
Aliado à expansão sem precedentes da região a partir sobretudo dos anos 90, o lixo passou a se constituir num dos graves problemas da população do bairro. A poluição provocada pelo Aterro ficou perceptível com a ampliação de inúmeras moléstias de ordem respiratória, de pele etc. Os órgãos de saúde chegaram a apresentar dados estatísticos demonstrando o crescimento de tais doenças, direta ou indiretamente relacionadas à presença do Aterro Sanitário de Perus. Foram inúmeras as manifestações sociais contra a presença do Lixão em Perus: impedir a entrada de caminhões de lixo e a circulação de caminhões de coleta pelo Bairro, paralisar a circulação de trens e outras. Embora o movimento não tenha tido êxito em encerrar as atividades do Aterro Sanitário Bandeirantes tornou-se importante como fator organizador que em 1995 conseguiu deter a implantação de Incineradores no Bairro. Demonstrou ainda a capacidade que o problema ambiental tem de unificar um amplo arco de forças sociais organizadas e o conjunto da sociedade.
Em 2001, mais uma vez Perus se viu ameaçado por um novo empreendimento ligado ao lixo. Desta vez por parte de uma empresa privada que pretendia explorar os serviços de recolhimento e depósito de resíduos industriais e domésticos. Novamente, como na luta contra os incineradores, o conjunto das forças sociais do Bairro conseguiram se unificar contra o empreendimento atraindo inclusive os moradores das cidades próximas para uma ação de caráter mais Subprefeitura. Frente forte mobilização popular, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente acabou por indeferir o processo.
Apesar das vitórias obtidas pelo movimento popular, o Bairro não deverá livrar-se tão cedo de seus problemas ambientais. Uma das maiores obras da América Latina, o Rodoanel Viário, teve seu início justamente por Perus. Apesar de se constituir num pólo que poderá trazer benefícios à região, a obra já vem provocando uma série de problemas antes inexistentes e agravando outros.
* * *
O texto acima foi cedido pelo companheiro Elcio Siqueira, historiador, morador do bairro e filho de um dos queixadas que participaram da histórica greve da Fábrica de Cimento de Perus, referência do movimento sindical brasileiro.
Na sua quase totalidade foi extraído da sua tese de Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Economia da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, Campus de Subprefeituraaraquara, com insignificantes modificações necessárias ao fim a que se destina e à atualização que se fez necessária.



Estação de Perus: um patrimônio ferroviário
A necessidade de escoamento da produção pelo porto de Santos ditou o traçado da estrada de ferro São Paulo Railway, implantada em 1867, passando pela cidade de São Paulo.
Perus, por sua posição geográfica, funcionou como pouso de tropeiros nos séculos XVIII e início do XIX. A região ficava no caminho de Guaiazes, aberto em fins do século XVII e que levava às antigas minas de Goiás. Em meados do século XIX, a cultura do café avançava pelo interior do estado de São Paulo, na direção de Jundiaí. A necessidade de escoamento da produção pelo porto de Santos ditou o traçado da estrada de ferro São Paulo Railway, implantada em 1867, passando pela cidade de São Paulo.
Perus, então um simples lugarejo, teve sua estação aberta ao público naquele mesmo ano, com a inauguração da estrada de ferro. As primeiras estações da chamada Inglesa apresentavam características semelhantes: edifícios retangulares, de um só pavimento, construídos em alvenaria de tijolos aparentes. Os abrigos das plataformas costumavam ser apoiados em colunas de ferro. Muitas estações foram transformadas ou reconstruídas com a duplicação da linha entre 1867 e 1900.
A estação de Perus apresentava características particulares. Ao contrário de outras construções do mesmo período, o abrigo da plataforma consiste de marquise sustentada por estrutura de madeira. Uma passarela metálica pré-fabricada também compõe a obra. Devido a um acidente ocorrido no ano 2000, a estação precisou ser reconstruída. Contudo, elementos remanescentes podem embasar um projeto de restauro que devolva suas características originais. Sua importância histórica é incontestável, por se tratar de uma das primeiras estações da ferrovia a ligar Santos ao planalto.
Fonte: Departamento do Patrimônio Histórico (DPH)



Uma estação de trem no meio de tropeiros e queixadas
A história do bairro remonta à época dos tropeiros, que no século XIX usavam o local para pouso durante o percurso entre Santos e Jundiaí no transporte de mercadorias.
"Ói, ói o trem, vem surgindo de trás das montanhas..." – O verso da canção de Raul Seixas poderia muito bem se aplicar ao cotidiano dos mais de 11 mil passageiros que embarcam ou desembarcam diariamente na Estação de Perus, extremo noroeste da cidade de São Paulo, na divisa com os municípios de Caieiras, Cajamar, Santana de Parnaíba e Barueri.
A região administrada pela Subprefeitura de Perus e composta de dois distritos - Anhangüera e Perus - agrega em sua paisagem áreas montanhosas, uma parte formada pelos Morros do Juqueri-Tietê e outra pela face setentrional da Serra da Cantareira, e também uma cobertura vegetal expressiva - 48 km² de seu total territorial de 57,2 km², sendo 9,5 km² ocupados exclusivamente pelo Parque Anhangüera, o maior da capital.
As vias de transporte também são elementos que compõem o panorama da região, que é cortada pelas rodovias estaduais Anhangüera e Bandeirantes e pelas estradas de ferro Santos-Jundiaí e Perus-Pirapora, esta última tombada pelo Patrimônio Histórico e desativada em 1983.
Sinhá Maria
Mas a história do bairro Perus remonta à época dos tropeiros, que no século XIX utilizavam o local para pouso durante o percurso que faziam entre Santos e Jundiaí para o transporte de mercadorias. Muitos moradores perpetuam a estória de que o nome do bairro foi dado por causa de Sinhá Maria dos Perus, que criava perus em seu sítio e onde os tropeiros fariam pouso.
Naquela época, a região era também parada de tropas de soldados e ocupada por enormes fazendas de capitães da Guarda, responsáveis pela defesa do Caminho do Mar até o Porto de Santos.
O progresso só chegou em 1867, com a inauguração da ferrovia São Paulo Railway, mais conhecida por Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, que hoje é operada pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) - transporte de passageiros - e pela empresa MRS - cargas.
Brasileiros e imigrantes
A estrada representou o início do desenvolvimento econômico da região, com a instalação de fábricas e pequenos comércios, e com o povoamento do bairro. Muitas das primeiras famílias que chegaram, caso dos brasileiros Jesuíno Afonso de Camargo e Edwiges Dias e dos imigrantes italianos Di Sandro e Peccicacco, são ainda lembradas nas placas de muitas ruas locais.
A avenida Fiorelli Peccicacco, por exemplo, uma das mais conhecidas entre os mais de 100 mil habitantes, tem visto ao longo dos anos o crescimento do seu setor de serviços, principalmente na área de conserto de automóveis, se mesclar às casas e terrenos ainda desocupados.
Grandes negócios
Graças às locomotivas e à grande oferta de terras, Perus foi escolhida em 1890 para abrigar a fábrica de papel Companhia Melhoramentos, que passou a plantar pinheiros e eucaliptos no local para atender à sua produção. Em 1914, um ramal da estrada férrea impulsionou a instalação de outro grande negócio no bairro: a Companhia Nacional de Cimento Portland-Perus, inaugurada em 1926 e responsável pela geração de emprego e renda na região durante 60 anos.
Projetado por um grupo de empresários para ligar a Estação de Perus ao município de Pirapora, o ramal acabou sendo desviado para Cajamar, onde existiam grandes reservas de calcários considerados bons para a produção de cimento e cal, a matéria-prima ideal para a fábrica instalada 12 anos mais tarde.
Um dos moradores mais antigos e presidente da Sociedade Amigos do Distrito de Perus (SADIP), Jovino Bartholomeu, de 69 anos, é testemunha de muitos fatos que marcaram a história de Perus, como as greves feitas pelos operários da fábrica de cimento em protesto às condições de trabalho, principalmente contra a emissão de pó de cimento. “Havia a equipe dos Pelegos, que eram os que furavam a greve, e a dos Queixadas, que eram os que brigavam. Em 10 anos de sucessivas greves, até irmão ficou contra irmão”, conta Bartholomeu.
Em 1986, o proprietário, J. J. Abdalla, preferiu fechar as portas da fábrica ao invés de investir na modernização com a implantação de filtros. Mas os Queixadas (do dicionário: s.m. - espécie de porco-do-mato) e Pelegos (da gíria política: líder sindical que se acomoda facilmente às vantagens pessoais do adesismo) são lembrados em conversas da população até os dias atuais.
Entre muitas alegrias, algumas más lembranças
Outro episódio do qual o sr. Jovino se recorda bem é dos estragos feitos pelo acidente na Estação Perus no dia 28 de julho de 2000, com 128 vítimas, sendo 9 fatais. “Foi horrível. Na época, eu era do Conselho de Segurança (Conseg) e fomos intimados para socorrer o pessoal”, lembra, com a voz apertada.
“A população ficou seis meses sem a estação, até que ela fosse restaurada. O pessoal que só pegava trem, tinha que pegar a van que a CPTM colocou para levar até a estação do Jaraguá”, acrescenta Bartholomeu. Após perícia da polícia e de técnicos, o laudo da CPTM apontou que a colisão dos dois trens na plataforma da estação aconteceu em razão de uma avaria na rede aérea, o que provocou a falta de energia no trecho entre as estações Jaraguá e Perus por mais de duas horas.
O problema ocasionou falta de ar para o sistema de freios do trem prefixo UA127, que estava parado nesse trecho e começou a correr no sentido Perus, não conseguindo evitar a colisão com o outro trem, parado na plataforma.
Apesar do acidente, a Estação de Perus é motivo de alegria para Bartholomeu, que, de 1951 a 1974, teve o trem como o meio de transporte para os locais de trabalho. “É muito gostoso. Tem muitas paisagens bonitas em Perus”, explica o viajante, que, atualmente, ainda utiliza o trem quando precisa participar de reuniões na região central. “A única desvantagem é que tem que esperar o horário do trem, mas é o meio mais rápido de irmos para o Centro. Em 40 minutos se chega à Luz”, destaca o presidente da SADIP.
Patrimônio Cultural
Para que as memórias dos mais antigos não sejam soterradas pelo tempo - afinal, a população local é hoje predominantemente jovem e adulta - a comunidade está empenhada em concretizar dois projetos: transformar em centro cultural a desativada fábrica de Cimentos Perus, atualmente propriedade de um sobrinho do J.J. Abdalla; e reativar a linha de trem Perus-Pirapora para fins turísticos.
O trabalho de uma ONG local, o Instituto de Ferrovias e Preservação do Patrimônio Cultural, para capitanear parceiros para o segundo projeto começa a mostrar resultado: o primeiro dos 16 Km da estrada já foi revitalizado, assim como a locomotiva francesa Decauville 8, uma das 21 que operavam na linha. Tudo com a participação de parceiros, como a Natura, a Care e a CPTM.
“A Perus-Pirapora não é de grande importância somente para Perus, mas também para o Estado de São Paulo e até para o Brasil. É hoje a única estrada de ferro do país de bitola estreita (60 cm) ainda intacta, e com um acervo de locomotivas bastante diversificado, entre exemplares ingleses, franceses, alemães e canadenses”, analisa Nelson Bueno de Camargo, presidente do Instituto.
Lagos e marrecos
Para reativar toda a estrada, a ONG está em negociação com outras empresas, para arrecadar pelo menos R$ 3 milhões. Algumas locomotivas não têm mais condições de rodar, mas a idéia é que, depois da restauração, sejam expostas como peças de museu. A partir do dia 7 de setembro, o Instituto deve organizar pequenos passeios para mostrar a beleza do projeto à população, em um trecho de aproximadamente 800 metros dentro do Parque Anhanguera.
O parque, aliás, é parada obrigatória para quem vai até a região. Entre lagos, marrecos e tanques de areia, é comum verificar ali, nos finais de semana, famílias fazendo piqueniques debaixo das árvores. O Anhanguera guarda também algumas preciosidades. É o único parque da cidade com um Centro de Animais Selvagens, ligado à divisão de Veterinária da Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente, para onde são levados os animais desviados do seu habitat natural, geralmente os que são apreendidos pelo Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente).
Juntamente com o Parque Estadual do Jaraguá, o Anhangüera é o maior complexo de preservação ambiental da região urbana, sustentando a maior diversidade e abundância da fauna representativa do município.
Apesar de ser originário de uma área remanescente do Sítio Santa-Fé, uma antiga fazenda de reflorestamento adquirida pela Prefeitura em 1978, o Anhanguera contém remanescentes da fauna original nas matas ciliares e, sob seus eucaliptos, pode-se perceber o renascimento da mata nativa. Preás, gambás, veados catingueiros, tatus, pacas, capivaras, cotias, quatis e ouriços estão entre os animais que podem ser encontrados lá.
Carência
No entanto, o parque vem enfrentando problemas com relação a queimadas, como a que atingiu 8 mil m² de sua área em agosto deste ano, motivado pelas queimadas cada vez mais freqüentes na região. O problema do desmatamento é apenas a ponta de um quadro mais amplo, de pobreza, desemprego e carência de infra-estrutura.
Segundo o Mapa da Exclusão/Inclusão Social na cidade (PUC-SP, 2000), a região da subprefeitura apresenta altos índices de exclusão social. O pior é o do distrito de Perus (-1 a -0.6/ escala até 1.0), comparável aos índices de distritos localizados em outros extremos da cidade, como Capão Redondo e Parelheiros (Sul), Cidade Tiradentes (Leste), e Cachoeirinha (Norte).
Uma parte da exclusão pode ser explicada pelo modo desregrado com que o território foi ocupado ao longo das últimas décadas, com a formação de loteamentos clandestinos e a construção de casas em áreas de risco. São 79 loteamentos cadastrados na subprefeitura com pedido de regularização, dos quais 22 já obtiveram a regularização técnica junto à Secretaria Municipal de Habitação. É o caso do Jardim Britânia/Diego Velásquez, cujas famílias passaram a ter os imóveis registrados em cartório com direito de uso e transferência de uso aos descendentes, de acordo com a lei federal do Estatuto das Cidades, de 2001.
Além da ilegalidade, essas áreas possuem sério risco de desmoronamento das casas. No final de agosto, a Prefeitura deu início às obras de contenção de taludes em sete lotes da região e prepara um levantamento de novas áreas que receberão obras até o final do ano. A subprefeitura faz um monitoramento constante dessas áreas e tem realizado um trabalho educativo com a comunidade sobre os perigos das construções em áreas montanhosas e a necessidade de apoio técnico.
Mas o legado das moradias irregulares é sentido pela população de Perus até hoje, quando falta escola, faltam unidades de saúde, ruas asfaltadas, iluminação pública, locais de lazer, espaços para a prática de esportes, e até rede de esgoto em alguns pontos. O problema se agrava ainda mais com o galope do crescimento populacional nos dois distritos, principalmente em Anhanguera, que tem uma taxa de crescimento anual próxima a 13% (Censos Demográficos do IBGE, 1991-2000).
Mais escolas
Mas algumas melhoras já podem ser sentidas: das 30 escolas municipais de Perus, sendo um Centro Educacional Unificado (CEU), cinco ainda eram provisórias até há poucos meses, algumas de metal - as famosas escolas de “lata”, e outras de madeirite.
Desde a retomada das obras de unidades de alvenaria, em abril, a Administração Municipal já entregou quatro novas escolas. Há ainda outros projetos em andamento - a construção de duas EMEFs e dois Centros de Educação Infantil (CEIs), para atender à atual demanda na rede municipal de ensino local, de 708 vagas em Anhanguera e 1.740 em Perus, principalmente para creches e educação infantil.
No distrito de Anhanguera, as lideranças reivindicam prioritariamente escolas estaduais de ensino médio, postos de saúde e equipamentos de lazer, como pistas de skate e quadras esportivas em praças. Em relação à saúde, a solicitação deve ser atendida em parte até outubro, com a inauguração das Unidades Básicas de Saúde (UBSs) Jardim Rosinha e Morro Doce.
Em Perus, a demanda número um é por um hospital, equipamento inexistente na região, e por áreas de lazer, além das escolas. As ruas de terra ainda são comuns na paisagem do bairro. A administração municipal prevê que o déficit de asfaltamento será zerado.
A previsão é de que, até 2008, os cerca de 40 km de vias sem asfalto deixem a poeira para trás. Assim como o trem, quando dobra as montanhas da região, rumo ao Centro de São Paulo.

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