Freguesia do Ó, 428 anos
Imortalizada por Gilberto Gil na música "Punk da Periferia", a Freguesia do Ó é a única região que conserva em seu nome a denominação antiga para "bairro". A área tem 10,50 km², distribuídos por 49 bairros, que abrigam uma população de aproximadamente 144 mil habitantes.
Freguesia
A Freguesia do Ó, um dos bairros mais antigos de São Paulo, completou dia 29 de agosto, 428 anos em grande estilo। O bairro ainda guarda várias características do século passado como árvores centenárias, construções antigas e o Largo da Matriz, localizado em uma das colinas da Freguesia, onde desde 1901 está a bela Igreja de Nossa Senhora do Ó, palco de festas tradicionais como: a Festa do Divino (em abril), o Assentamento da Cruz (em maio) e a da Nossa Senhora do Ó (em agosto). O bairro iniciou sua história em 1580 quando o bandeirante português Manoel Preto construiu a sede de sua fazenda próxima as margens do rio Tietê. Da Freguesia do Ó, mais precisamente do Largo Velho da Matriz saíam diversas expedições de bandeirantes rumo ao interior. Com o passar dos anos a Freguesia foi se desenvolvendo, mas sem perder as características de uma tranqüila cidade do interior.
Freguesia do Ó, da religião à boemia
Às vésperas de completar 426 anos, a Freguesia do Ó ainda preserva ares de cidade do interior, com grandes eventos religiosos e concentração de bares e restaurantes ao redor da praça principal.
Do alto do Largo da Igreja da Matriz tem-se uma vista privilegiada de São Paulo, cortada pelo rio Tietê: em uma margem, os modernos edifícios da Lapa e Água Branca; na outra, as casas em estilo tradicional e antigos galpões de fábrica vão formando um dos mais antigos bairros de São Paulo, a Freguesia do Ó, que em agosto completa 426 anos, e perpetua uma atmosfera de cidade do interior. Assim como no alto está situado o bairro, também às alturas está voltado o pensamento de seus moradores, carregando mais de 200 anos de fé e práticas de adoração ao Espírito Santo e à Nossa Senhora do Ó, padroeira da Freguesia. Agora em maio, por exemplo, são celebrados dois importantes eventos religiosos: a Festa do Divino e o Assentamento da Cruz.
O primeiro teria sua comemoração maior no domingo (15/05), para quando eram aguardadas 3 mil pessoas, após uma novena com a participação de 600 pessoas, segundo cálculos do cônego Noé Rodrigues, 87, há 39 anos na Freguesia. Pároco ao longo de 31 anos na Igreja Matriz, Rodrigues recebeu o título de cônego por ser um dos assessores do arcebispo de São Paulo, atualmente o cardeal Dom Cláudio Hummes.“É uma festa muito tradicional e, aqui em São Paulo, ela permanece somente na Freguesia do Ó e em Santo Amaro”, comenta o cônego.
Já o Assentamento da Cruz terá sua festa no próximo dia 29, com churrasco, desfile de carros antigos e as famílias no Largo da Matriz, centro da vida religiosa e social do bairro. O encontro anual teve origem há quatro anos quando, por uma iniciativa dos moradores, foi erguida uma nova cruz de madeira na entrada da praça. No mesmo dia, fizeram uma festinha para marcar o evento, que ganhou corpo ao longo dos anos e já entrou no calendário popular do povo do bairro.
Festa e boemia, por sinal, são hábitos tão presentes na vida dos moradores quanto a religião. A praça é circundada por bares e restaurantes dos mais diferentes estilos: alemão, nordestino e italiano. Nos fins de semana, cerca de 1500 pessoas – segundo cálculos da subprefeitura – entre jovens em busca de namoro, famílias, políticos e artistas reúnem-se no largo. Na última quarta-feira, dia 11, às 15h, por exemplo, o cantor carioca Lobão conversava com amigos numa mesa do Frangó, um dos bares mais badalados do lugar, que oferece cerveja de diversas marcas e salgados impecáveis.
Na outra ponta da praça, a pizzaria Bruno carrega 66 anos de história e o pioneirismo de ter lançado a pizza frita na cidade. O método consiste em levar a pizza ao forno em assadeira untada com óleo. Ali ela não é depositada na pedra, mas numa grelha que fica sobre as brasas. Desta forma, a brasa produz a fritura na parte de baixo, enquanto o calor ambiente assa a parte de cima da massa com a cobertura. Como resultado, é servida ao freguês uma pizza de casquinha crocante, sem bordas, suculenta e deliciosa.
O crescimento da casa acompanha o do bairro, e está registrado nas fotografias que enfeitam o segundo andar. No início, o bairro era de ruas de terra com algumas de paralelepípedo, ainda não havia pontes sobre o rio e o acesso era difícil. Servia como hospedagem de tropeiros que por ali passavam rumo aos caminhos do ouro, no vizinho estado de Minas Gerais. Naqueles finais dos anos 30, a Freguesia do Ó era refúgio para militantes políticos que ali se reuniam para conspirar contra o Estado Novo, recém decretado pelo presidente Getúlio Vargas. A distância em relação ao centro era uma garantia que os militantes estariam a salvo das mãos pesadas da polícia política.
E como história e cultura costumam andar juntas, logo atrás da Igreja da Matriz há a Casa de Cultura da Freguesia do Ó que, após um período de paralisia, retoma as atividades com toda força. Muito de suas ações, conta o diretor, Jarbas Mariz, 53, são voltadas à recuperação e preservação da história do bairro, seja por meio de fotografias antigas, em que posam famílias com sua vestimenta da época, ou de documentos e reportagens antigas de jornais.
As tradições culturais e de ação comunitária do bairro são mantidas hoje por João Terra, cantor e compositor de reggae que desenvolve também o projeto “Minha rua é uma escola”, no qual dá aulas de violão a 120 alunos da periferia, num clube municipal com subsídio financeiro para a compra de 30 violões por meio do VAI (Programa para Valorização das Iniciativas Culturais), um programa de incentivo cultural municipal.
Enquanto a Freguesia do Ó é um bairro de classe média, desenvolvido com a influência de imigrantes italianos, possuindo toda a infra-estrutura básica já instalada, a região vizinha, da Brasilândia, é seu extremo oposto, como um reflexo às avessas no espelho.
Essa favela foi formada em boa parte por migrantes nordestinos que vieram tentar a vida na capital e não tinham onde ficar. As casas foram construídas, em boa parte, em terrenos invadidos. A falta de regularização é um dos principais problemas enfrentados pela subprefeitura local. A Brasilândia apresenta o já conhecido quadro desses locais que crescem à margem dos serviços básicos essenciais e são a prova viva dos contrastes brasileiros. É o Brasil profundo. Faltam saneamento básico, educação e sobram violência e desemprego. A escola local foi destruída por vândalos, depois que os estudantes passaram a estudar no CEU do bairro.
Em meio a esse cenário, explicitamente desesperançoso, iniciativas como de Maria de Lourdes dos Santos, 52, levam vida e solidariedade aos recônditos da Brasilândia. Maria de Lourdes é fundadora da entidade “Creche Imaculada Coração de Maria do Jardim Princesa”. Em parceria com os governos estadual, municipal e entidades como o Rotary, a entidade assiste a 150 crianças, promove cursos de qualificação, atende a idosos, mulheres e desempregados.
Enfrentando os problemas da vida como ela é, Maria de Lourdes esbanja criatividade em suas ações. Uma das mais interessantes é o curso em que a entidade ensina a moradores que residem em barracos nas margens de um córrego como eles devem armazenar alimentos – como grãos - em garrafas PET lacradas. “Na época de enchentes, quando a água invade as casas, a garrafa pode afundar que não tem problema. Depois é só eles lavarem com sabão que fica limpo e podem consumir o alimento. Os ratos também não têm como morder a garrafa". Para ensinar como não passar fome, a entidade instalou uma padaria e ministra cursos sobre a manufatura de pães. “Com um quilo de farinha pode-se fazer 30 pães e o filho não passa fome”, ressalta.
Maria de Lourdes acredita que o bairro poderá melhorar e superar as dificuldades. Sua própria vida foi um processo de superação. Aos 15 anos, foi atropelada e teve as pernas imobilizadas. Acabou numa cadeira de rodas. Muito religiosa, rezou tanto e prometeu que, se ficasse boa, faria o bem ao próximo. Com a surpreendente recuperação, há 30 anos mudou-se para a Brasilândia justamente pelas carências da região. Financeiramente, não precisava. O marido, eletricista formado e já aposentado, sempre teve uma boa renda. Mas o compromisso com Deus falou mais alto. Mudou-se para a favela, viu os filhos crescerem e desde então vem praticando o que o cristianismo sempre pregou: amar o próximo como a si mesmo.
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